Cuidado com as palavras: por que "não se fala em corda em casa de enforcado" ainda é atual
Vivemos em uma era em que a comunicação é instantânea, pública e permanente. Nunca se falou tanto — e, ao mesmo tempo, nunca se errou tanto ao falar. O velho ditado “não se fala em corda em casa de enforcado” ressurge como uma lição de empatia e sensibilidade diante da fragilidade humana. Ele não é apenas um conselho sobre o que evitar dizer, mas um convite à consciência sobre o impacto que nossas palavras podem ter nos outros.
A essência dessa expressão está na capacidade de se colocar no lugar do outro antes de abrir a boca. Quando dizemos algo insensível a alguém que está em sofrimento, mesmo sem querer, podemos aprofundar feridas. É o caso de comentar sobre demissões diante de alguém que perdeu o emprego, ou brincar sobre doenças diante de quem acabou de receber um diagnóstico difícil. Parece simples evitar isso, mas o ego fala mais alto, e nem sempre percebemos o tamanho das cicatrizes alheias.
O sociólogo Erving Goffman, em sua obra A Representação do Eu na Vida Cotidiana, fala sobre os “rituais de interação”, que são formas sutis de respeitar os sentimentos e as máscaras sociais dos outros. Goffman explica que a vida em sociedade depende de certo cuidado com a forma como nos expressamos, pois cada interação pode ferir ou fortalecer a dignidade das pessoas. Isso está diretamente ligado ao conceito de “face”, ou seja, a imagem que cada pessoa tenta sustentar diante dos outros. Ao falar em “corda” na casa de alguém que lida com uma perda ou dor, rasgamos essa imagem, mesmo sem querer.
A sabedoria popular carrega em si uma filosofia poderosa. Lao Tsé dizia que “as palavras verdadeiras não são agradáveis, e as agradáveis não são verdadeiras”. Mas há momentos em que o silêncio é mais sábio do que qualquer verdade inconveniente. O silêncio, nesses casos, é um gesto de respeito, e não de omissão. A virtude da prudência, uma das quatro virtudes cardinais da filosofia clássica, ensina justamente isso: discernir o momento certo de falar, calar e agir. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, trata da “phronesis”, ou sabedoria prática, como a capacidade de dizer a coisa certa, na hora certa, da maneira certa. Isso é raro, mas possível — e muito necessário.
No cotidiano, essa sabedoria pode se manifestar em coisas simples. Antes de fazer uma piada, pense se o outro vai rir ou se machucar. Antes de comentar uma situação, considere o histórico e a dor alheia. Isso não significa viver pisando em ovos, mas caminhar com consciência. Palavras não podem ser desditas, e a empatia é a única bússola confiável nesse labirinto que é o convívio humano.
O mundo não precisa de mais opiniões; precisa de mais cuidado. E talvez esse velho ditado, com cara de conselho de avó, seja um lembrete de ouro: em tempos de falas soltas e julgamentos apressados, a verdadeira inteligência mora em quem escolhe o que não dizer.
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