O perigo de se tornar aquilo que combatemos


Friedrich Nietzsche, em Além do Bem e do Mal, nos alerta: "Aquele que luta com monstros deve cuidar para que não se torne um. E se você olhar por muito tempo para um abismo, o abismo também olhará para dentro de você." Essa frase, além de impactante, carrega uma verdade profunda sobre a natureza humana. Muitas vezes, na tentativa de combater o mal, corremos o risco de absorver suas características, justificando nossos atos em nome de uma suposta justiça.

Vemos isso na história com figuras que começaram como revolucionários e terminaram como tiranos. Robespierre, por exemplo, lutou contra a monarquia na Revolução Francesa, pregando liberdade e igualdade. No entanto, ao assumir o poder, instaurou o Período do Terror, onde milhares foram guilhotinados sob sua liderança. Ele se tornou o próprio opressor que jurou destruir. Esse fenômeno acontece porque, ao travar uma batalha intensa contra algo que consideramos maligno, nossa mente pode se moldar à lógica desse inimigo. O ódio que direcionamos para fora pode acabar nos consumindo por dentro.

No dia a dia, essa reflexão também se aplica. Pense em alguém que sofre uma grande traição e decide nunca mais confiar em ninguém. Com o tempo, essa pessoa se torna fria, calculista e desconfiada, agindo de maneira semelhante àqueles que a feriram. Em relacionamentos, no trabalho ou na política, a raiva e o ressentimento podem nos transformar, nos afastando dos valores que originalmente defendíamos.

Carl Jung falava sobre a "sombra", aquela parte de nós que contém os impulsos mais obscuros e reprimidos. Quanto mais negamos essa parte, mais forte ela pode se tornar. Por isso, é essencial que, ao combatermos injustiças e lutarmos por aquilo que acreditamos, mantenhamos a vigilância sobre nós mesmos. A pergunta é: estamos defendendo uma causa ou apenas alimentando nosso ego e desejo de vingança?

A verdadeira força não está apenas em derrotar o que consideramos maligno, mas em permanecer íntegro no processo. Como dizia Gandhi: "Olho por olho, e o mundo acabará cego." O desafio é combater o mal sem se tornar parte dele.

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