A sociedade da solidão algoritmizada


Então, estamos diante de um fenômeno curioso: a solidão, que antes era uma condição temida, hoje se tornou um ideal de felicidade. Jovens (e nem tão jovens assim) proclamam que a verdadeira paz é estar sozinho, deitado na cama, navegando na internet, com um gato ronronando ao lado. Mas como foi que chegamos aqui? Como a “introspecção” virou um emblema e o contato humano, um peso?

Se olharmos para a filosofia, sempre houve uma tensão entre a vida contemplativa e a vida ativa. Aristóteles, por exemplo, via a amizade como essencial para uma vida plena. Para ele, não bastava existir — era preciso compartilhar experiências, construir laços. Já Schopenhauer, por outro lado, exaltava a solidão como um refúgio contra a estupidez e a mediocridade do mundo. O que parece estar acontecendo hoje é que essa visão schopenhaueriana foi incorporada pela cultura digital, mas não por um impulso filosófico de busca por sabedoria e introspecção — e sim por uma espécie de preguiça social reforçada pelos algoritmos.

A internet, esse grande olho cibernético que nos observa o tempo todo, não promove um espaço de solitude reflexiva, mas sim de consumo solitário. O que chamamos de "ficar sozinho" navegando na internet não é realmente solidão no sentido filosófico. Não se trata de um retiro para o autoconhecimento, como pregavam os estoicos, mas de um isolamento acompanhado, mediado por conteúdos virais, redes sociais, vídeos curtos e fóruns onde a presença do outro é filtrada por pixels e avatares.

E o que os algoritmos fazem com isso? Eles percebem essa tendência, reforçam-na e a transformam em um mercado. A introversão, que para muitos filósofos era uma característica natural de alguns indivíduos, agora se tornou uma identidade comercializável. Memes e tendências celebram a "vida de introvertido", mas a verdade é que muitos desses novos solitários estão mais deprimidos do que felizes, sentindo uma angústia difusa que nem sempre sabem nomear. Afinal, como apontava Sartre, "o inferno são os outros" — mas, sem os outros, o inferno se torna o vazio.

Esse culto à solidão pode parecer libertador, mas também pode ser uma resposta à precariedade das relações humanas no mundo atual. As interações sociais são cada vez mais mediadas por telas e transações, e o desconforto de estar em sociedade se intensifica. Em vez de aprender a lidar com esse desconforto, a solução parece ser evitá-lo completamente.

O grande paradoxo é que essa idolatria da solidão é um fenômeno coletivo. Há uma comunidade inteira que se reconhece nessa narrativa de isolamento — um bando de solitários juntos na internet, compartilhando memes sobre como odeiam estar com pessoas. É como se estivéssemos tentando resolver a angústia existencial fugindo para dentro das bolhas algorítmicas que nos dão a ilusão de pertencimento sem exigir qualquer esforço social real.

Talvez o problema não seja a solidão em si, mas a forma como ela tem sido vendida. Afinal, como diria Nietzsche, "quem luta com monstros deve cuidar para que não se torne um deles". Será que, ao rejeitarmos o mundo social por considerá-lo opressor, não estamos criando uma nova forma de prisão, um confinamento digital voluntário?

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