Sócrates e a relatividade do perigo
Certa manhã, enquanto caminhava pela Ágora, Sócrates observava os mercadores discutindo preços de trigo e uvas. No entanto, um comentário inusitado chamou sua atenção. Um jovem aprendiz lia em voz alta a frase: "Leões e panteras são inofensivos, mas tome cuidado com galinhas e patos, pois podem ser muito perigosos," disse uma minhoca aos seus filhos.
Intrigado, Sócrates parou e pediu ao jovem que repetisse a frase. Após ouvi-la novamente, ele coçou a barba e sorriu.
– Diga-me, jovem, o que pensas sobre essas palavras? – perguntou Sócrates com o tom curioso que sempre usava para iniciar seus diálogos.
– Ora, mestre, parece-me algo óbvio. Para uma minhoca, as galinhas são perigosas porque as devoram. Já os leões, ainda que poderosos, vivem longe delas. O perigo é relativo.
Sócrates inclinou a cabeça, refletindo.
– Relativo, dizes? Então, o perigo está apenas nos olhos de quem o vê?
– Não exatamente, mestre. Ele depende da posição de quem observa. Para mim, um leão seria mortal. Para uma minhoca, nem existiria.
Sócrates deu um passo à frente, apontando para o chão onde algumas formigas carregavam grãos.
– Vejamos: essas formigas têm suas batalhas, suas preocupações. Talvez temam um pássaro ou a sombra de um humano como nós. Não nos parece tolo que temam algo tão pequeno para nós?
O jovem franziu o cenho.
– Sim, mas não posso julgá-las. Afinal, para elas, o pássaro é uma ameaça concreta.
Sócrates sorriu, satisfeito com a resposta.
– Exato, meu jovem. Tu começaste a entender. Assim como uma minhoca teme uma galinha, e não um leão, nós também temos nossas próprias percepções. Não somos muito diferentes dessas criaturas. Cada um julga o perigo a partir da sua posição no mundo, do seu modo de viver. Mas agora te pergunto: se cada ser percebe o perigo de maneira diferente, será que algum dia podemos conhecer o perigo "real"?
O jovem hesitou, sem saber o que responder. Sócrates não esperou.
– Bertrand Russell, ainda que não tenha vivido no nosso tempo, expressou uma grande verdade com essa frase. Nós somos prisioneiros das nossas perspectivas. E essa prisão molda tudo: nossos medos, nossos desejos, até mesmo nossas noções de segurança. Talvez o verdadeiro perigo esteja em não perceber que somos limitados pelo nosso ponto de vista.
O aprendiz fitou Sócrates, admirado com a profundidade de sua reflexão.
– Então, mestre, como podemos superar essa limitação?
Sócrates deu de ombros, deixando transparecer um sorriso sereno.
– Talvez não possamos, mas ao menos podemos reconhecê-la. Como a minhoca que avisa seus filhos sobre as galinhas, devemos entender nossos próprios medos e alertar uns aos outros sobre aquilo que não podemos ver sozinhos. No fim, quem sabe o verdadeiro perigo não esteja no mundo externo, mas na nossa falta de diálogo para compreendê-lo?
Com essas palavras, Sócrates retomou sua caminhada pela Ágora, deixando o jovem aprendiz com a mente cheia de novas questões e uma sensação inquietante de que o maior perigo não era o leão, nem a galinha – mas a própria ignorância sobre o que tememos.
Mais alguém discorda?
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