A religião é um meio para se tornar uma boa pessoa, não para se tornar Deus


Muitas vezes, na busca pelo crescimento espiritual, as pessoas podem se confundir quanto ao objetivo final da religião. Alguns acreditam que seguir princípios religiosos, realizar rituais ou alcançar um estado de perfeição moral é uma maneira de se aproximar do divino a ponto de “se tornar Deus”. No entanto, a verdadeira sabedoria religiosa ensina que o propósito da fé não é a autodeificação, mas a transformação do ser, o refinamento das virtudes e o caminho para se tornar uma pessoa melhor.

A Bíblia, por exemplo, em diversas passagens exorta o ser humano à humildade, lembrando constantemente que Deus é único e inalcançável em sua totalidade. Em Isaías 55:8-9, está escrito: "Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos." Aqui, Deus deixa claro que há uma distância intransponível entre a condição humana e a divindade. A religião, portanto, não é um caminho para transcender essa barreira e "se tornar Deus", mas para compreender nossa condição de seres finitos que buscam o aperfeiçoamento moral e espiritual.

O filósofo Sócrates, em seus diálogos, frequentemente se referia à necessidade de reconhecer nossa ignorância como ponto de partida para a sabedoria. Ele acreditava que a humildade e o autoconhecimento eram os pilares do desenvolvimento humano. Para ele, o verdadeiro sábio é aquele que sabe que não sabe. Essa postura socrática nos ensina que o caminho para uma vida plena está na busca constante por se tornar uma pessoa melhor, em vez de aspirar a um estado de perfeição divina.

É comum, nas tradições espirituais e religiosas, a tentação de se acreditar superior ou mais próximo de Deus à medida que se avança na prática religiosa. Essa atitude, no entanto, é o oposto do verdadeiro objetivo da religião. O cristianismo, em particular, adverte contra a soberba espiritual, que é uma forma de idolatria do próprio ego. Jesus, em seus ensinamentos, enfatizou a humildade e o serviço aos outros como o caminho para a santidade. No Evangelho de Mateus 23:12, Ele afirma: "Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado." Ou seja, o verdadeiro valor da prática religiosa está na disposição de servir e se tornar pequeno diante do mistério de Deus.

O sociólogo Émile Durkheim, em seus estudos sobre religião, argumentava que a religião é um fenômeno social que serve para fortalecer os laços comunitários e criar um senso de moralidade compartilhada. Ele via a religião como um mecanismo de coesão social, que ajuda os indivíduos a desenvolverem valores como solidariedade, empatia e responsabilidade coletiva. Para Durkheim, o papel da religião não era criar indivíduos que se veem como deuses, mas moldar pessoas que possam viver em harmonia com os outros e com os princípios éticos da sociedade.

Quando olhamos para o Budismo, outra grande tradição espiritual, encontramos uma abordagem semelhante. O Buda não incentivava seus seguidores a se verem como seres divinos, mas a seguirem o "Caminho do Meio", focando no desapego, na compaixão e na sabedoria. O objetivo não é se tornar um deus, mas alcançar o estado de iluminação, o Nirvana, que nada tem a ver com poder ou divindade, mas sim com a libertação do sofrimento e das ilusões do ego.

A verdadeira prática religiosa, seja qual for a tradição, é sobre o aperfeiçoamento das virtudes e o cultivo de uma vida ética e compassiva. Na religião cristã, o conceito de imitatio Christi (a imitação de Cristo) nos convida a seguir os passos de Jesus, não para nos tornarmos deuses, mas para nos tornarmos mais humanos, no sentido mais pleno da palavra. Seguir o exemplo de Cristo significa adotar atitudes de humildade, perdão, serviço ao próximo e amor incondicional.

Portanto, é fundamental entender que a religião oferece ferramentas para que cada um de nós se aperfeiçoe moralmente e espiritualmente, mas sem a pretensão de "tomar o lugar de Deus". O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard falou muito sobre a importância da fé humilde e do reconhecimento de nossa dependência do divino. Para ele, a relação com Deus é sempre uma relação de reverência e submissão, nunca de igualdade ou poder.

Em última instância, a jornada religiosa e espiritual é sobre transcendermos o ego e nos conectarmos com algo maior do que nós mesmos. Ao praticarmos a virtude, buscamos refletir a bondade, a justiça e a misericórdia divinas, mas sempre reconhecendo que somos seres limitados, em constante processo de crescimento. A religião, longe de ser uma escada para se alcançar a divindade, é um caminho para aprender a viver com sabedoria, compaixão e humildade.

Como disse C.S. Lewis, escritor e apologista cristão: “A humildade cristã não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si mesmo.” A religião é, portanto, uma escola de virtudes, onde aprendemos a nos colocar a serviço dos outros, a reconhecer nossas limitações e a trilhar um caminho de bondade e retidão.

Comentários

  1. Ter humildade não significa se subestimar, mas sim reconhecer nossos próprios limites e dificuldades e, sobretudo, a importância de cada pessoa que encontramos ao longo da vida. Ser humilde nos abre portas para o aprendizado e para o nosso crescimento, pois uma pessoa de espirito humilde está sempre disposta a ouvir, a aprender e a melhorar. Deus nos dê sabedoria🙏🏼

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